segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

THE MISBEHAVIOR OF MARKETS

A característica mais peculiar de um gênio científico é a sua capacidade de tirar conclusões objetivas, precisas e inéditas sobre como um determinado aspecto da realidade funciona. Pense nas obras de Copérnico,de Newton ou de Einstein como ilustrações dessa capacidade única e rara. Raríssima, na verdade: devo me considerar muito premiado, pois em trinta e dois anos de vida, e em apenas um terço dela mantendo vínculos acadêmicos constantes, já tive o privilégio de conhecer pessoalmente uma pessoa que pode aspirar a essa classificação. Além da escassez, outra característica marcante de boa parte dos gênios - tão marcante que chega a compor o estereótipo - é a dificuldade que seus insights inovadores encontram em ser aceitos pelo establishment "bem-pensante", especialmente quando contradizem as verdades estabelecidas e zelosamente guardadas por aqueles que fazem carreira explorando-as.

Para não fugir ao figurino, esse roteiro tem sido rigorosamente seguido quando se trata de falar em BENOIT MANDELBROT, um dos maiores gênios matemáticos do século XX e deste que se inicia (pois ele ainda está bem vivo), cuja imensa curiosidade levou-o a explorar as mais diversas áreas da ciência: física, computação, hidrologia, biologia, psicologia e - felizmente para nós - finanças. MANDELBROT vêm se debatendo a décadas contra as premissas que embasam a moderna teoria financeira, a começar pela tão estimada hipótese do mercado eficiente, e em 1980 publicou a primeira edição de uma obra inteira dedicada ao tema, muito apropriadamente intitulada The Misbehavior of Markets (hoje na terceira edição, bastante atualizada em relação à primeira). Sua compreensão dos mercados está amparada em um ramo da matemática que foi praticamente criado por ele: a geometria fractal. De acordo com a própria definição de MANDELBROT, fractal "é uma forma geométrica irregular ou fragmentada, que pode ser separada em partes, cada uma das quais é (aproximadamente) uma cópia reduzida do todo". É possível obter uma compreensão intuitiva de um fractal observando as duas figuras ao lado. Primeiro o "Conjunto de Mandelbrot", um fractal que vai se reproduzindo indefinidamente, assumindo as mais imprevisíveis e espetaculares formas. Apesar disso, note que a cada vez que se altera a escala espacial do fractal - cada vez que se faz um zoom em qualquer de suas partes - acabamos encontrando uma figura semelhante ao todo. O segundo exemplo é o "floco de neve" de von Koch. Observe como uma única forma geométrica, o triângulo eqüilátero, vai se reproduzindo para formar uma figura parecida com um floco de neve. O interessante é que se fracionarmos esse floco inúmeras vezes até chegar novamente a um único triângulo, veremos que suas partes, em qualquer nível de fracionamento, são incrivelmente semelhante ao todo. Observe também que em ambos os exemplos, as figuras geométricas são altamente irregulares e, com efeito, um dos mais freqüentes usos práticos da geometria fractal é a mensuração de quão turbulento e irregular é um objeto sob análise. Formas fractais abundam na natureza, por isso a análise de suas propriedades matemáticas é extremamente útil para modelar fenômenos naturais e para obter uma melhor compreensão das propriedades particulares dos fenômenos analisados, como por exemplo, a formação geográfica de uma área litorânea, a turbulência da atmosfera no meio de uma tempestade ou a concentração de jazidas de petróleo no subsolo.

Pois bem, o primeiro insight importante de MANDELBROT na área financeira ocorreu em 1961 quando ele resolveu analisar as variações de preço do algodão em um espaço temporal de 100 anos e se deu conta que o comportamento dos preços desse ativo em nada se assemelhava à uma distribuição normal, conforme prescrita pela "Hipótese do Mercado Eficiente": a variância era altamente irregular e cada dado novo inserido alterava seu valor; grandes e imprevisíveis "saltos" nas cotações tornavam impossível reduzi-las a uma modelagem estatística amparada na curva de Gauss. Em outras palavras: os dados empíricos disponíveis contradiziam as premissas que apoiavam o mainstream da ciência das finanças. A variação de preços tinha, isso sim, propriedades matemáticas muito semelhantes às de um fractal:
  • A formação dos preços parecia guiada por uma power law, com alguns poucos dias de trading em um determinado ano concentrando a maior parte das variações positivas ou negativas;
  • Além de bruscas, as variações de preço do algodão eram muito imprevisíveis, uma imprevisibilidade análoga à imprevisibilidade das formas geométricas que vão surgindo conforme um fractal complexo se desenvolve;
  • Não importa a escala de tempo utilizada - diária, semanal, mensal - as mesmas propriedades eram observadas em qualquer delas, do mesmo modo que a parte se parece com o todo em um fractal geométrico;
Ao longo de anos de pesquisa, MANDELBROT confirmou estas constatações observando as variações de preços de outras comodities e também de ações e índices. A partir daí desenvolveu uma compreensão heterodoxa - e por isso mesmo muito realista - do funcionamento do mercado financeiro, que com característico bom-humor ele resume nas suas 10 Heresias das Finanças:
  1. Os mercados são turbulentos. As variações de preços apresentam propriedades escaláveis, que as fazem propensas à grandes e bruscas variações.
  2. Os mercados são muito, muito perigosos. Mais perigosos do que a teoria financeira ortodoxa imagina. Aqui temos uma conseqüencia da primeira heresia: a turbulência é perigosa, ela provoca giros imprevisíveis e repentinos nas cotações. É muito difícil prevê-la, difícil de se precaver contra ela e mais difícil ainda de lucrar com ela.
  3. Fazer o timing do mercado é importantíssimo. Grandes perdas e grandes ganhos concentram-se em curtos períodos de tempo.
  4. Os preços freqüentemente dão saltos, não planam. Isso aumenta ainda mais o risco. O padrão de formação de preços nos mercados não é um padrão contínuo, como uma suave curva em gráfico cartesiano de livro-texto. Os preços saltam e "gapeiam" para cima e para baixo o tempo todo.
  5. Nos mercados, o tempo é flexível. Os mercados deformam a percepção de tempo, cuja passagem parece se acelerar em momentos de grande volatilidade - mercado rápido - e se torna mais lenta em momentos de baixa volatilidade - mercado 'sedado'.
  6. Os mercados em todos os lugares em todas as épocas funcionam de maneira parecida. MANDELBROT acredita que todos os mercados possuem uma atividade interna endógena, i.e, um nível de atividades que independe de fatores externos para atuar - pense em um market maker, por exemplo - que exerce influência sobre a formação dos preços. Essa atividade endógena seria a raiz da invariância em algumas características de funcionamento dos mercados, as quais são observáveis em qualquer período histórico e em qualquer local.
  7. Os mercados são inerentemente imprevisíveis e as bolhas especulativas são inevitáveis. A mesma escalabilidade responsável pela turbulência no mercado é um elemento importante na formação de bolhas especulativas, afinal, se as variações de preço são selvagens e imprevisíveis, quem garante que depois de subir 1000%, uma ação não possa subir mais mil? É tão imprevisível quanto a possibilidade de voltar à estaca zero.
  8. Os mercados iludem. Investir o rico dinheirinho apenas com base em padrões de análise gráfica é coisa para os corajosos, pois é fácil sermos enganados pela nossa tendência natural de procurar padrões em tudo o que vemos. O mercado é especialista em nos enganar, formando padrões que no mais das vezes se revelam como ouro de tolo quando tentamos explorá-los sistematicamente.
  9. Prever os preços pode ser perigoso, mas você pode estimar as probabilidades da volatilidade futura. A análise empírica demonstra que grandes variações de preços - para mais ou para menos - tendem a ser seguidas por novas grandes variações. Do mesmo modo, pequenas variações tendem a ser seguidas por outras pequenas variações. Isso indica que a volatilidade tende a se agrupar em clusters que, ao menos no curto prazo, podem ser antecipadas.
  10. Nos mercados financeiros, a idéia de "Valor" tem valor limitado. De acordo com MANDELBROT, a imensa dificuldade em avaliar objetivamente o valor intrínseco de uma empresa, de uma comodity ou de uma moeda, torna a noção de "Valor" muito pouco útil para operar o mercado. Ao invés do valor, o móvel principal das ações do mercado é a arbitragem, a exploração de diferenças relativas de preços no tempo e no espaço. A operação de arbitragem não leva em conta um valor intrínseco, procura apenas detectar disparidades e se aproveitar delas para gerar lucro.
Qualquer trader com razoável experiência de operação nos mercados financeiros já teve ter percebido intuitivamente algumas dessas características apontadas por MANDELBROT, mas ele leva esse conhecimento a um patamar muito mais elevado, através do estudo e da análise metódica e sistemática do modus operandi dos mercados financeiros, sempre a partir de dados reais e não das premissas imaginárias e freqüentemente falsas (porque contraditórias com os dados fonecidos pela realidade) que amparam o grosso da atividade acadêmica nessa área. Como o próprio autor reconhece, até agora a geometria fractal aplicada às finanças ainda não descobriu uma maneira prática e segura de ganhar dinheiro no mercado, mas ao menos permite que tenhamos uma visão mais precisa de seu funcionamento, o que aumenta nossa probalidade de não sermos arrasados por ele. Não é pouca coisa na época em que estamos vivendo.